sábado, 7 de novembro de 2015

"NENHUM VERSO EM DEZEMBRO"

"novembro é esta vontade de beber flores".

(Kha Tembe)


                                       Imagem: © Joel Robison


"Quase dezembro e nenhum verso". Leio Adélia e me sinto menos deus, menos sábio. Me sinto livre para não escrever, ainda que a palavra me venha à boca com gosto de fel. Ainda que a poesia se derrame através dos meus dedos. Me sinto livre porque também sou humano, porque também tenho dores e sangro vez em quando. Quase dezembro e eu só penso em desaparecer, sem morte, sem drama, sem despedida. Penso em engolir o dia e adentrar uma noite interminável e repor o sono que perdi enquanto escrevia para salvar o mundo e perdia minha vida. Quase dezembro e mal consigo ler, porque há também o cansaço, a preguiça e a resignação. Há a fadiga, o peso de encarar a realidade depois de dias mergulhado num romance onde a felicidade parecia tão simples. 
Mas há também a loucura, aquela que me faz olhar pedra e ver flor, olhar estrada e ver flor, olhar homem e ver flor. Quase dezembro e há um jardim nos meus olhos e então o mundo floresce, incessantemente. Quase dezembro e nenhum verso escrito, mas um poema inteiro acontecendo a cada instante, em cada canto, no mundo inteiro. 

Quase dezembro. Quase dezembro. É novembro e ainda assim vale à pena existir. 

(Wendel Valadares)


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* Titulo: Adélia Prado


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