sexta-feira, 1 de setembro de 2017

PARA ÂNGELA - AO SOL, NO QUINTAL

Imagem:© Joel Robison


Querida Ângela,

há alguns dias terminei de ler Grande Sertão: Veredas, do nosso eterno João Guimarães Rosa. E, mais do que uma leitura, o que esse livro nos proporciona é uma verdadeira travessia. E eu atravessei despido de muitas vaidades, porque entendi que caminhar pelo sertão era também caminhar para dentro de mim. O próprio narrador nos alerta: "sertão é dentro da gente". 
E, embora o livro tenha sido absurdamente incrível, uma frase, uma única frase ficou repercutindo no meu interior todos esses dias, me provocando diversas reflexões. 
Guimarães diz, num determinado momento da história, que "amor é a gente querendo achar o que é da gente". Quando li esse trecho me espantei, mas no momento queria continuar com a leitura, então não dei a devida atenção. Só agora, terminada a travessia, parei para refletir sobre a grandeza e a genialidade dessa frase.   

"Achar o que é da gente"

Você me disse outro dia que sempre tenho um poema, um texto ou uma frase para cada momento. Isso é verdade, minha amiga. Eu vivo buscando na literatura esse amparo para as minhas angústias. Eu sempre acho que vou me encontrar numa metáfora. Mais do que alguém de fases, me sinto alguém de frases. Mas caminho por esse território com muita cautela e respeito. o Milan Kundera adverte: 

“As metáforas são muito perigosas. 
Não se brinca com as metáforas.” 

"Achar o que é da gente". 

Tenho pensado muito em 'achar o que é meu'. Outro dia um amigo me disse: "você me faz pertencer". Foi umas das coisas mais lindas que já ouvi na vida. E era um amigo que tinha acabado de chegar, ainda não tínhamos dividido muitas histórias, ele ainda não sabia quase nada sobre mim e eu sobre ele. Mas entendi que, quando a gente acha o que é da gente, não é preciso contar o tempo ou enumerar os acontecimentos. Não é preciso materializar, é tudo uma questão de sentir. E eu sinto muito. 

Minha querida, resolvi lhe escrever esta carta porque sei que você também anda à procura do que é seu. Acho que essa é a grande busca de todos nós, ou pelo menos deveria ser. (risos). Resolvi lhe escrever pra dizer que a literatura tem esse poder incrível de, numa simples frase, nos proporcionar um aprendizado imensurável. Que a literatura tem também o poder de nos apresentar pessoas incríveis que, mesmo à distância, compartilham conosco experiências enriquecedoras que nos tornam pessoas melhores. Quando penso na sua amizade penso em ser melhor. Bonito isso que você faz, de inspirar os outros a serem melhores. O mundo tem precisado tanto de seres "humanos" de verdade.  

Resolvi escrever para falar do meu carinho e admiração por você. E pra dizer que, para achar o que é da gente, às vezes basta se sentar ao sol, no quintal com um bom livro e saber dos amigos que caminham conosco nessa difícil jornada que é a vida. 

Com afeto,

Wendel

3 comentários:

  1. Eu não caibo em mim por tanta emoção!
    E pensar que meu quintal traz tanta gente linda e maravilhosa e tanto afeto recebo...
    De quantas terras um homem precisa? Eu digo que depois de morto, não mais do que sete palmos. Em vida, a mim, basta meu quintal.
    E como bem escreveu Manoel de Barros, meu quintal é maior que o mundo.
    Obrigada Wendel Valadares! ❤ Lindo texto!

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  2. Quanta lindeza e verdade nesta carta!! Dois seres lindos que amo!! Incrível como podemos sentir esse pertencimento, esse encontro com o que é da gente, mesmo à distância e com poucas palavras. É também que o que é da gente mora no silêncioso acalanto de nosso íntimo, de nossas almas. E só por estarem e serem, em nós e no mundo, já nos basta. Minha admiração é enorme pelos dois.

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